A Linha Vermelha

Dezembro 1, 2012 | Opinião

“Contra a Exploração e o Empobrecimento, Por um Portugal com Futuro” foi o leme da Greve Geral de 14 de Novembro, convocada pela CGTP, que contou também com a adesão de vários sindicatos e federações afectas à UGT.  Um acontecimento histórico, não  por ter sido uma das maiores greves gerais em Portugal, mas porque foi a primeira Greve Geral Ibérica, apoiada por cinco confederações sindicais de Espanha, e alastrou, solidária, através de greves, manifestações e comícios em  França, Bélgica, Itália, Grécia, Alemanha, Holanda, Suíça, Áustria, República Checa, Roménia, Croácia e Chipre, numa “Jornada de Luta Europeia contra a austeridade e pelo emprego”, abrindo, assim, espaço para a luta global contra a ditadura financeira da banca e da finança internacional.

Dois dias antes da Greve Geral, Passos Coelho curvou-se perante a imperatriz Merkel, batendo com a mão no peito: “Nós portugueses mandriões, que vivemos acima das nossas possibilidades, nos confessamos perante vossa excrescência”. “Também não precisas de exagerar, meu filho dilecto, ” – corrigiu Angela, lembrando a recessão europeia que o Eurostat confirmaria dias depois, pela segunda vez em quatro anos,  com a Comissão Europeia a rever em baixa as previsões de crescimento da Alemanha de 1,7% para 0,8% em 2013. É então que da comitiva soa o coro de empresários germânicos: – “Estais no bom caminho, continuai a descer vertiginosamente os salários e a emagrecer que a Jonet não vos deixará morrer de fome,  se quereis que cá venhamos investir para vos salvar ao fim de mais cinco anos de austeridade”.

“Bardamerkel!”, gritam ingratos manifestantes a contas com as estatísticas do INE que confirmam a queda da economia, o desemprego real para 1 milhão e 400 mil portugueses, 1 milhão dos quais sem qualquer subsídio, e o desemprego jovem nos 39%, enquanto a dívida pública aumenta para 120% do PIB e a dívida privada (banca e empresas) para 370% do PIB.

Passos Coelho defendeu a actuação  da polícia em frente à Assembleia da República dizendo que “profissionais da desordem ultrapassaram a linha vermelha”. Também o primeiro ministro ultrapassou a linha vermelha da decência democrática ao elogiar “a coragem dos que foram trabalhar” no dia da Greve Geral. Uma pedrada atirada provocadoramente contra quem exerceu o seu direito à greve, sacrificando um dia de salário, para lutar civicamente por um futuro melhor para si, para os seus filhos e para o país.

Mas um governo que manda (ou protege) polícias de choque carregar brutalmente sobre manifestantes, na sua grande maioria inocentes de quaisquer actos de violência, como as mulheres e os idosos que vimos na TV serem agredidos, já ultrapassou a linha vermelha de um Estado de Direito. Faz lembrar o governo fora-da-lei de Israel que, violando inúmeras resoluções da ONU, oprime o povo palestiniano há mais de 60 anos, ocupando o seu território, invadindo e destruindo as suas casas, e acaba de matar perto de centena e meia de palestinianos (metade dos quais mulheres e crianças) a pretexto de que nas suas ruas e cidades se escondem os terroristas do Hamas, responsáveis pela morte de 13 cidadãos israelitas (o saldo de vítimas inocentes mostra bem a superioridade da “democracia” israelita apoiada por Obama).

A Amnistia Internacional já condenou a violência de alguns manifestantes em frente ao Parlamento, mas pediu ao Governo um inquérito à actuação desproporcionada da polícia.  A Ordem dos Advogados também fez queixa ao Governo por detenções irregulares e uso excessivo da força.

Importa saber se houve provocadores infiltrados na manifestação pelas claques de futebol (com ligações conhecidas à extrema-direita) ou se pela própria polícia (como já tem acontecido com agentes infiltrados a incitar à violência). Mas também não se pode excluir a hipótese de haver manifestantes indignados até ao saltar da tampa contra a violência de um governo que condena mais de um milhão e meio de portugueses ao desemprego e à emigração e dois milhões de pessoas à fome e à miséria (serão 3 milhões muito em breve, segundo a Rede Europeia Anti-Pobreza). A paciência também tem uma linha vermelha. Embora a impaciência leve, a maior parte das vezes, ao desastre e à derrota.

Como diz o poema de Brecht: “Do rio que tudo arrasa/ se diz que é violento/mas ninguém diz violentas/ as margens que o comprimem.”

Se calhar não foi só na língua portuguesa que incorporámos a herança cultural dos gregos. A luta dos povos pelo reconhecimento da sua dignidade também tem uma linha vermelha. Quem a perder de vista pode revoltar-se e lutar, mas falhará o alvo, logo, nunca vencerá. Até na luta mais acesa não podemos perder a dignidade, isto é, não violar quaisquer direitos humanos. Essa deve ser a nossa linha vermelha.

Carlos Vieira e Castro

 

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