Quinta do Grilo: Os direitos dos moradores e os direitos das prostitutas

Janeiro 14, 2013 | Região

Por: Carlos Vieira e Castro

Nos últimos oito dias,  Viseu atraiu mais uma vez as atenções da comunicação social pelos piores motivos. O jornal O Crime deu o pontapé de saída com uma reportagem intitulada “Bordel ao ar livre em bairro de Viseu”. Seguiu-se a TSF e outras rádios regionais, jornais diários e televisões. Foi a maior e mais barata operação publicitária que as prostitutas do Bairro da Quinta do Grilo  podiam ter. O Diário de Notícias dedicou-lhe metade da primeira páginas e duas páginas interiores ilustradas com fotos dos blocos de apartamentos mais frequentados e até uma planta da cidade com a localização do “bairro vermelho”, não fosse algum forasteiro perder-se no emaranhado de rotundas.

Não parece ter sido a melhor resposta para as queixas da maioria dos moradores. Talvez que muitos dos incómodos e perturbações pudessem ser resolvidos recorrendo a reuniões de condóminos e ao cumprimento do regulamento do condomínio, nomeadamente no que diz respeito à segurança dos prédios e ao bem estar dos vizinhos. O diálogo costuma ser mais profícuo do que o confronto para a resolução de problemas entre pessoas. As prostitutas também são pessoas. Pagam renda, têm família, muitas têm filhos, marido ou companheiro. Algumas fugiram da fome e da miséria noutros países, iludidas com oportunidades de trabalho numa Europa supostamente rica. Vendem o corpo ou “alugam a cama” para sobreviver ou para ter uma vida melhor. Há gente “séria” que, para sobreviver, ou apenas para subir na vida, não hesita em “vender a alma ao diabo”, prejudicando a vida dos outros.

Estigmatizar quem pratica a prostituição é preconceito e desumanidade.  Nenhum jornalista conseguiu obter o ponto de vista das prostitutas. No entanto,  a SIC entrevistou Alexandra Oliveira, investigadora da Universidade do Porto, com estudos no terreno muito próximos das prostitutas, que defende a regulamentação da profissão das trabalhadoras do sexo (prostituição, alterne, linhas eróticas, etc) e acusa “o discurso das autoridades – policiais, judiciais e políticas” – que “na prática, trata estas mulheres não como vítimas mas como delinquentes”. Foi o caso da autarquia viseense, que, segundo o DN, “contactou  o SEF alertando para o facto de algumas das inquilinas do bairro poderem residir em Portugal ilegalmente”. Um excesso de zelo inquisitorial; uma violência institucional contra eventuais imigrantes “indocumentadas”.  Também o porta voz da Conferência Episcopal, ao pronunciar-se sobre o caso da Quinta do Grilo, parece ter-se esquecido da parábola da mulher adúltera, do Evangelho segundo João. Toda a gente “joga pedra na Geni/ ela é feita p´ra apanhar/ela é boa de cuspir”, como na Ópera do Malandro do Chico Buarque.

Há diferentes perspectivas sobre este problema, mesmo por parte de associações feministas e de sindicatos. Se o proibicionismo já não é defendido em nenhum país civilizado, por punir a prostituta mas não o cliente, já o abolicionismo, ao considerar a prostituição incompatível com a dignidade humana, embora não a punindo (despenalizada em Portugal em 1983), tem muitos defensores, mas acaba por negar direitos, já que remete a actividade para um limbo, para um vazio legal que favorece a clandestinidade e a exploração das mulheres que a praticam.

Como associação de defesa dos direitos humanos, a OLHO VIVO condena a prostituição forçada, as redes de tráfico humano para fins sexuais ou laborais, o lenocínio e o proxenetismo (que são crimes), mas defende os direitos sociais, laborais e de cidadania das/os trabalhadoras/es sexuais, que lhes permita descontar para a Segurança Social e ter uma vida não confinada à marginalidade que discrimina e violenta as pessoas. Sem esse estigma as prostitutas poderiam desenvolver a sua actividade de uma forma mais disseminada e mais independente, não se concentrando numa rua ou bairro e libertando-as de circuitos fechados e da tutela de “chulos” ou redes organizadas, o que criaria mais oportunidades  de optarem por outra ocupação profissional mais aliciante.

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