Içar a bandeira nacional de pernas para o ar, num país normal, só poderia ser tomado como um engano, lamentável, porém humano, que alguém diligentemente corrigiria na hora, e não mereceria mais do que um riso divertido. Assim, como o riso adolescente que Passos e Relvas não contiveram perante a cara de enterro do Paulo Portas a ouvir os deputados do PC e do BE, durante o debate das moções de censura ao governo, lembrar-lhe a carta que escreveu aos militantes do CDS garantindo que não haveria mais aumentos de impostos. Mas, num país de pernas para o ar, soou a mau agoiro, a prenúncio de desgraça, mesmo sem sabermos ainda que na simbologia militar içar a bandeira invertida significa “ser tomado pelo inimigo”.
O inimigo, para este governo acossado, é o povo. “O melhor povo do Mundo” quando não desata a apupar ministros, como tem acontecido por todo o país, incluindo Vouzela, o que tem levado alguns membros deste governo a cancelar a sua presença em inaugurações e outros eventos, como em Tondela e Cinfães.
Luísa, 57 anos, desempregada e desesperada com os 224 euros de subsídio, com o seu grito de revolta a perturbar o discurso do Presidente da República sobre a emigração “boomerang” dos nossos jovens, e quase em simultâneo a sabotagem vocal de Ana Maria Pinto, cantora lírica do grupo Acordai, justificaram o forte aparato policial, que só pode ser contestado por empresários ignorantes e mal agradecidos ou por cigarras que ainda não perceberam que equidade é serem esmagadas com impostos como as formigas.
A bandeira ficou direita, ondulando ao vento, mas nem tudo entrou na ordem: o país continua às avessas, com os ministros a fugir do povo, o povo a fugir da fome, os jovens a fugirem para o estrangeiro, os velhos e os doentes a fugirem da morte por racionamento, os ricos a fugirem dos impostos, Paulo Portas a fugir da fotografia do governo, local do crime, e o Presidente a fugir à responsabilidade de demitir um governo incompetente, mentiroso e deslegitimado.
SEGURO, SEMPRE, SEMPRE AO LADO DO PASSOS!
O “enorme aumento de impostos”, nas palavras de Vítor Gaspar, foi traduzido por Marques Mendes como “um assalto à mão armada ao contribuinte, por parte de um governo que não tem coragem para cortar na despesa”. Até Freitas do Amaral classificou este pacote de impostos como “imoral”. Só Seguro não se perturba e o PS voltou a abster-se violentamente nas moções de censura e recusa denunciar o memorando da Troika para iniciar a renegociação da dívida, como propôs o Congresso Democrático das Alternativas. Ao esforço de convergência à esquerda para uma alternativa de poder, o PS responde, pela cassete de Junqueiro, convergindo com a direita ao alcunhar o PCP e o BE de “esquerda radical” e “extrema esquerda”. Compreende-se a incomodidade de Seguro pelas moções de censura, depois de ter respirado de alívio com o recuo do governo na TSU, álibi para recuar na sua própria moção de censura, apesar do aumento de austeridade através dos impostos superar em muito o sacrifício previsto dos portugueses.
O PS faz questão de deixar claro que convergências só com a direita e, caindo no mais demagógico populismo, anuncia uma medida que o PSD vem defendendo desde há muito: a redução do número de deputados na Assembleia da República, de modo a reduzir a proporcionalidade parlamentar e representatividade dos partidos de esquerda e facilitar a formação de maiorias absolutas.
O escritor uruguaio Eduardo Galeano escreveu o livro”De Pernas Para o AR – A Escola do Mundo às Avessas”, que é uma deliciosa colectânea de denúncias em tom irónico de arbitrariedades, abusos e injustiças, na América Latina e no resto do mundo, à mistura com anedotas, enigmas, parábolas. Eis um trecho, a propósito:
“Quando um delinquente mata por alguma dívida por pagar, a execução chama-se ajuste de contas; chama-se plano de ajustamento a execução de um país endividado, quando a tecnocracia internacional decide liquidá-lo. A malfeitoria financeira sequestra os países e limpa-os se não pagarem o resgate. (…) A economia mundial é a mais eficiente expressão do crime organizado. Os organismos internacionais que controlam a moeda, o comércio e o crédito praticam o terrorismo contra os países pobres, e contra todos os pobres de todos os países, com uma frieza profissional e uma impunidade que humilham o melhor dos bombistas”.
Por isso, a Resistência grega não permitiu que Merkel se pavoneasse triunfalmente, com o seu bigode trapezoidal, pelas ruas de Atenas ocupada.
Carlos Vieira e Castro