O Bairro Municipal de Viseu foi construído em 1948, por iniciativa da Câmara Municipal e da então Direcção Geral de Urbanização como “bairro de casas para classes pobres”, em terrenos da família Melo Lemos e Menezes que vendeu à autarquia a Quinta da Mendonça, também conhecida por Quinta da Balsa, especificamente para esse propósito social, conforme reza a escritura de 8.06.1946.
Trata-se de 104 casas geminadas, dispostas em banda, de piso térreo com plantas rectangulares, paredes com embasamentos e cunhais em pedra rusticada, telhados com beirais, com pequeno jardim à frente separado da rua por um muro ou sebe e uma cancela e, nas traseiras, um pequeno quintal, a fazer a ligação ao mundo rural, donde a maioria dos moradores seria oriunda. Nota-se a influência arquitectónica da casa tradicional portuguesa, com o sentido das proporções e a harmonia com o espaço envolvente, seguidas por Raul Lino. Habitações à escala humana, propiciadoras de relações sociais, a contrastar com a construção compacta do urbanismo expansivo, onde as pessoas se sentem encaixotadas e isoladas.
Há mais de duas décadas que os moradores ouviam ameaças de demolição do bairro, mas foi nos princípios deste século que a autarquia de Fernando Ruas decide avançar com um “plano de requalificação” do bairro, concluído pelo Gabinete Técnico Local em 2002 que passaria pela demolição total para dar lugar à construção de edifícios de 3 e 4 pisos para habitação social e o terreno sobrante seria transformado em lotes para venda.
Em 28.09.2001 é criada a Associação de Moradores do Bairro Municipal com o objectivo de criar um elo de comunicação entre a Câmara Municipal e os moradores, contrariando a sua marginalização e envolvendo-os no processo de modo a garantir uma reabilitação cuidada do bairro e a sua preservação.
A Câmara anuncia que poupará à demolição a Escola Primária e duas filas de casas no total de 10 fogos, para memória do bairro. Mas o Bairro é um conjunto arquitectónico coerente, com as suas ruas ladeadas de árvores, os seus largos, o seu chafariz, espaços de sociabilidade onde as relações de vizinhança não esbarram em paredes demasiado altas para deixar passar os raios do Sol comunitário.
Em 20.02.2006, o deputado do PS na Assembleia Municipal de Viseu, Jorge Adolfo, arqueólogo, defendeu a classificação do Bairro Municipal como centro histórico.
Também o eleito pelo Bloco de Esquerda na Assembleia Municipal de Viseu, apresentou na sessão de 27.04.2012, uma Recomendação à Câmara para a Reabilitação e Classificação do Bairro Municipal como Conjunto Arquitectónico de Interesse Municipal.
O Núcleo de Viseu da Associação Olho Vivo enviou à Direcção Regional de Cultura do Centro, em 6.09.2012, um requerimento de classificação do Bairro Municipal de Viseu. Talvez tenha sido tarde de mais. A Câmara Municipal de Viseu, que tinha anunciado o adiamento do projecto devido à indisponibilidade financeira do IHRU, já deu início, esta semana, à demolição de duas filas de casas do bairro para ali construir o primeiro bloco de apartamentos.
E, no entanto, a Câmara Municipal tem conhecimento da Análise Patrimonial do Bairro da Cadeia, elaborado por David Ferreira, Técnico de Património do IGESPAR, que reconhece no bairro “valor histórico enquanto conjunto exemplar de um modelo urbanístico que fez escola, que moldou a paisagem urbana portuguesa e que é importante para a compreensão de uma época e de uma sociedade (…) Património arquitectónico, sem dúvida tanto mais que os exemplares existentes na região – na tipologia de bairro social – não abundam” (…) “Não tenho dúvidas em afirmar que se trata de um valor de interesse municipal”.
Mas de que vale o interesse municipal, o património arquitectónico, quando outros interesses mais altos se “alevantam”? Fernando Ruas tem justificado a demolição do Bairro Municipal por se tratar de “um desperdício de espaço num local nobre da cidade”. É sabido que a especulação imobiliária é um cancro que destrói o coração e os pulmões das cidades, com a cumplicidade de autarcas que se julgam donos do território que gerem.
Carlos Vieira e Castro